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Rebecca, a criança.

  • Foto do escritor: Doutor Leonardo
    Doutor Leonardo
  • 16 de ago. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 19 de ago. de 2019


Como já vimos antes, as causas do transtorno dissociativo de identidade (TDI), variam intensamente de acordo com cada portador. A doença tende a existir sendo motivada por fatores traumáticos na infância e pré adolescência, como o abuso sexual, físico e/ou psicológico, rupturas familiares e, atualmente, uma pesquisa exterior mostra que a falta de contato com uma família estruturada e a ausência de pai ou mãe, ou uma má relação com estes, também pode ser um fator causador do transtorno de identidade. Novamente, agregando que nem toda mente venha a ter o TDI, a esquizofrenia, Borderline ou bipolaridade, mesmo com os traços de fatos traumáticos presenciados na infância. Também cabe a nós lembrar que: doenças mentais não fazem uma escolha específica de portador para portador. Exatamente como a depressão, que não escolhe idade ou gênero, outras disfunções mentais agem de igual maneira.

Aos nove anos de idade, minha paciente, ao qual chamarei de Ana (a exposição de nomes e características físicas detalhadas para o público vai contra as regras de ética entre paciente e doutor; a criação de um pseudônimo é viável), foi vítima de abuso sexual dentro do ambiente familiar. Estima-se que 80% a 90% dos casos de abuso sexuais ocorrem no seio familiar. O mais provável é que a consequência do abuso sexual sejam regressões a uma idade anterior: a criança pode voltar a chupar o dedo ou perder o controle dos esfíncteres ( responsável por controlar o grau de extensão de certo orifício), por exemplo. Também é comum que a criança torne-se depressiva ou ansiosa. Muito frequentemente seu rendimento escolar cai e ela pode se mostrar isolada e antissocial. Da mesma forma, pode se tornar sedutora, sexualmente precoce ou desenvolver vícios e comportamentos suicidas. As maiores dificuldades serão refletidas na vida sexual e amorosa. Pessoas que sofreram abuso podem apresentar fobias sexuais ou uma incompreensível tendência a estabelecer relações amorosas altamente insatisfatórias.

Nos casos mais graves, as consequências do abuso sexual incluem grande predisposição a desenvolver esquizofrenia, praticar tentativas de suicídio ou desenvolver comportamentos promíscuos altamente perigosos.

Como dito, a alta tendência do desenvolvimento da esquizofrenia foi o caso de Ana. Com as alucinações e delírios, aos quatorze anos, a mente de Ana deu vida a mais uma de suas visões derivadas da doença: Rebecca.

Rebecca é uma criança de nove anos. Vista pela primeira vez em piques de delírios e crises de ansiedade, a alucinação desenvolveu características físicas e de personalidade, apavorantemente, únicas. Todavia, para entendermos Rebecca, antes, necessitamos entender a infância de Ana.

Ana nasceu e viveu até os sete anos em Curitiba, antes de mudar-se para a cidade vizinha e passar a morar com os avós, após o falecimento de seu pai. Dividindo um terreno familiar, Ana cresceu ao lado dos tios e dos primos mais novos. Um destes tios era exatamente seu agressor sexual, que causou abuso e violência até que Ana completasse onze anos. Os abusos sexuais iniciaram aos nove anos, ultrapassando o que antes era um assédio. A decorrência dos toques e constantes abusos verbais e físicos (agressões discretas como beliscos, arranhões, mordidas, utilizadas para impor medo e poder) levaram a mente abalada de Ana a criar uma visão insegura e perturbada do ambiente familiar, onde só fora terminar aos seus onze anos, quando Ana contou sobre os ocorridos para os avós.

Ana tinha um bom desempenho escolar, porém com o fator abusivo, seu desempenho caiu drasticamente e os professores se preocuparam com o futuro da aluna, que já fora tão exemplar. Com insistentes aulas de reforço e reposição de conteúdo, Ana criou grande familiarização com a literatura, sendo influenciada por sua tia, irmã de seu falecido pai, a estudar com a ajuda de livros carregados de artigos científicos. Ana contou-me em uma sessão que seu primeiro livro "não infantil" havia sido O Banquete, livro escrito pelo filósofo ateniense Platão, onde o tema do diálogo principal é o amor. Peculiarmente, por sua idade jovial, Ana gostou da ideia de estudar filosofia e com a ajuda da tia, que é até hoje professora de literatura e gramática, desenvolveu um forte gosto pelas questões humanas e sociais. Ana brincou, em uma de nossas sessões, com a seguinte frase: "Platão escrevia tanto sobre Sócrates que, quando minha tia me explicava todas aquelas palavras difíceis, eu jurei de coração que me casaria com ele. Eu era louca por Sócrates". Lembro de pensar como uma garotinha poderia ser fascinada por Sócrates, e até hoje, esse pensamento nos diverte.

Em contrapartida, Ana detestava matemática, e por um grande período de tempo, ela afirmou que o ódio por exatas era devido a sua mãe, que não tinha paciência para explicar a matéria. Porém, com novas descobertas, Ana soube que a única pessoa que a ajudava a entender os números era seu tio, posteriormente, seu agressor. Ana ainda me explicou que gosta de outras matérias exatas, como física e química, mas a matemática em específico, não a agrada: "Eu sei que não é difícil, e sei que posso tirar a melhor nota da classe se quisesse, mas vai muito além de querer. Eu, simplesmente, não consigo". E neste ponto chegamos ao fato interessante, onde, em uma sessão nada convencional, conheci a famosa criança, chamada Rebecca.

Rebecca fala e age como uma criança de nove anos, gesticulando de forma exagerada e fazendo caretas de acordo com seus pensamentos. Ela consegue se enrolar em frases longas, assim como uma criança faz, e sua maneira de escrita também é semelhante à infantil. Ela refere-se a si mesma como uma pessoa e diz saber da existência das outras personalidades, brincando ao afirmar que é a melhor dentre todas elas. Rebecca e Ana tem várias características distintas, a preferência por comida, programas de TV e matérias escolares, é a que mais se sobressai. Enquanto Ana não é fã de chocolate, prefere salgados à doces, gosta de filmes de suspense e animações com um tema mais adulto e adolescente, mais maduro, e é "de humanas", Rebecca surge como seu oposto. A criança ama tudo que tenha chocolate e açúcar, gosta de filmes de princesas e desenhos infantis, além de gostar muito de matemática e educação física, sempre dizendo que sabe toda a tabuada e adora brincar de bola. Ana, por muitas vezes, reclamou das atitudes da criança: "Ela surge em momentos inesperados e deixa minhas amigas confusas, falando que ama doces e está ansiosa para jogar bola, sendo que eu nunca diria algo do tipo. Eu nunca joguei bola".

Dentre todas as características de Rebecca, a melhor está em como sua mente é rápida em aprendizagem. Ana tem dificuldades de aprender com "qualquer pessoa", todavia, Rebecca sempre encontra uma forma de aprender, seja o que for. Ela conhece as nomenclaturas de química, a termodinâmica da física, sabe trigonometria e fração, alegando que "quando crescer" trabalhará com algo em que ela possa fazer contas o dia inteiro. Ela também entende frases básicas do inglês e sabe cantar.

Você pode querer me questionar se a personalidade tem a capacidade de utilizar mais do que "10%" da capacidade cerebral. Infelizmente, ou felizmente, os tais 10% são pura lenda. “Sabemos que grande parte do cérebro é utilizada. Isso explica por que até microlesões cerebrais podem causar danos graves e irreversíveis”, diz o neurocientista e pesquisador do Hospital Sírio-Libanês, Erich Fonoff. Quantos por cento então? “Atribuir um percentual é leviano. Para isso, teríamos que saber o que são os 100%. Ainda não chegamos a esse nível”. A partir dessa breve explicação, entendemos que Ana usa uma capacidade comum de seu cérebro, e suas outras personalidades (talvez) também. Se pegarmos uma criança de nove anos e passarmos dias e dias ensinando-a física e química, ou frases em outras línguas, ela terá toda a capacidade para aprender. "Mas Rebecca aprende muito mais rápido", a questão aqui envolve a coexistência de variadas mentes em um único cérebro. Rebecca não é uma criança real, super inteligente que pode vir a ser o futuro da NASA; ela é a mente de uma criança envolta da mente de uma adolescente do ensino médio, e ambas as mentes coexistem juntas. Isso significa que: Ana sabe física e química, e a extensão da mente de Rebecca sabe, pois Ana sabe. Ana consegue jogar bola e falar inglês, a diferença é que Ana não gosta do jogo, e a criança sim.

Porém, parte desse argumento consegue cair por terra, ao menos em seus cantos, quando ouvimos falar de casos de TDI em que uma personalidade sabia falar alemão, e todas as outras não, inclusive o portador. Então, será que ele usa uma capacidade a mais da mente? Talvez sim.

Tudo que devemos lembrar sobre Rebecca, a criança prodígio, é que sua personalidade está ligada com a mente de Ana (obviamente), neste caso, Rebecca não é uma nova física de intelectualidade avançada para a humanidade. Nós pensamos que sim, pois a ideia de uma criança de 9 anos saber física e química é surreal, mas lembre-se que: Rebecca não existe na realidade. Ana existe.

 
 
 

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