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- Doutor Leonardo
- 15 de ago. de 2019
- 3 min de leitura
Nascido e criado na grande São Paulo, desde muito cedo havia em mim um forte interesse pela psicoterapia, a psicologia e as bases da neurologia. Na faculdade, estudante de psicologia e psicoterapia, iniciei pequenos trabalhos no centro psicológico fornecido pela própria instituição, para logo mais, após a graduação, ingressar na instituição psiquiátrica no Hospital das Clínicas. Atuava junto com outros recém-formados ou mestres da psicoterapia, junto com meus pacientes que oscilavam entre a adolescência e a fase adulta. Nunca vi meu trabalho como algo tedioso ou que não merecesse minha total dedicação, porém eu sempre quis ir mais a fundo quando o assunto era a mente humana. Noivo aos vinte e oito, mudei-me para Curitiba, conseguindo um trabalho estável no centro, em um espaço terapêutico onde me encontro até hoje. Recebendo a mesma cota de paciente e os seus semelhantes problemas, algo me dizia que talvez a psicoterapia não fosse tão parte do meu ser quanto eu esperava que seria, e eu já conversava com minha futura esposa sobre como me sentia preso em algo superficial, quando no ano de 2017, uma paciente nada convencional (se é que algum paciente já fora) chegou até meu consultório, em um começo de noite quente, acompanhada dos pais e de uma gigantesca pasta com folhas. No início, imaginei que seria mais uma adolescente com problemas comuns que via em meu dia-a-dia, mas após pegar nas inúmeras folhas cheias de assinaturas, pensei comigo mesmo que havia esperado toda uma vida por este momento, e ele finalmente chegara.
Em poucas semanas, analisando o psicodiagnóstico, a paciente parecia ser completamente sã. Muito esperta e bem articulada, inteligente e conseguia expressar sentimentos de forma simples e direta, eu não encontrava nenhum dos fatores escritos nas folhas de papel. Ela era tão normal quanto qualquer civil, e por um momento até me questionei se seu diagnóstico não estava equivocado.
Infelizmente, não estava.
Os sinais, já detectados e avisados antes, na folha, não passaram despercebidos aos meus olhos, e logo eu começava a perceber que aquela garota, na verdade, estava muito doente. E de repente, figuras humanoides surgiram, faunos eram reais, assim como as fadas que os acompanhavam, e as vozes podiam ter personalidades e identidades próprias. E quando me dei conta, ali estava, a psicopatologia que carrega seu ar mais complexo diante de um psicólogo, a esquizofrenia.
A esquizofrenia é uma doença cerebral crônica que afeta 1% da população mundial e se manifesta entre os 15 e 35 anos. Os sintomas de esquizofrenia podem incluir delírios, alucinações, problemas de raciocínio e concentração e falta de motivação. No entanto, quando esses sintomas são tratados, a maioria das pessoas com esquizofrenia melhora muito com o tempo. Segundo informações da Associação Brasileira de Psiquiatria, a doença tem predominância no sexo masculino e nem sempre é diagnosticada no seu início. Existem os chamados ‘sintomas precoces’ que podem aparecer meses ou anos antes da doença se exteriorizar – e em alguns dos casos esses sintomas são confundidos com depressão ou outros tipos de transtornos de semelhantes ao da esquizofrenia.
Neste caso, então, eu estava lidando com uma jovem de dezesseis anos, que logo faria aniversário, com um diagnóstico assustador para uma pessoa tão jovem e, aparentemente, tão comum.
Os fatores que levam à esquizofrenia são diversos, e recentemente descobrimos que pode estar ligada com a hereditariedade, todavia, há casos onde mesmo sem a doença nos antepassados, um dos membros da família pode desenvolver. Fatores traumáticos como o abuso físico, mental e sexual, na fase da infância e pré-adolescência, ruptura familiar, morte súbita de um ente querido, a falta de estrutura familiar, o abandono ou o uso de drogas ilícitas podem contribuir para o desenvolvimento da esquizofrenia. Isso não significa que todo paciente que já tenha vivido um dos fatores acima tenda a ser um esquizofrênico, na maioria dos casos a doença mais comum seria a depressão crônica e a síndrome do pânico, ou também o transtorno de personalidade borderline.
A paciente já estava sendo medicada com o antipsicótico Risperidona, e posteriormente passou a ser medicada com o antipsicótico Quetiapina (seroquel). Ao tocar-me da mente extraordinária que estava lidando, o vínculo médico e paciente passou a ser extremamente importante, e em menos de três meses eu pude conhecer parte de suas alucinações. A primeira, e mais importante, Senhor Medo.
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