top of page
Buscar

Os irmãos: Angústia e Ira

  • Foto do escritor: Doutor Leonardo
    Doutor Leonardo
  • 20 de ago. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 21 de ago. de 2019


Há cerca de cinco meses conheci duas figuras extremamente inteligentes e interessantes. Em uma sessão de quinta-feira, eu e Ana conversávamos sobre a frequência com que suas identidades surgiam em momentos inesperados, e em determinada hora, não me senti mais falando com Ana. Era outra pessoa, ao qual eu não sabia o nome. Era silencioso e observador, olhando atentamente meu rosto. Questionei, então, seu nome, e fiquei animado ao receber uma resposta: "Angst" Claro, Ana havia comentado que ela e doutor Fernando tinham conhecido três novas identidades: Agatha, Angústia e Ira. E, graças a anos em cursinhos de inglês online, pude ter uma conversa razoável com "Angst", o Angústia.

Descobri assim que Angústia é um dócil rapaz de vinte anos, de etnia asiática que é capaz de falar três línguas: Japonês, Inglês e Francês. Ele tem um alto QI e ama sociologia. Me questionei por que Angústia sabia o francês, assim como Senhor Pânico, que mesmo sem falar, podia entender a língua. O japonês e o inglês eram muito claros para mim, por conta dos estudos e partes da família, mas a língua francesa ainda me impressionava. Angústia também era ótimo em explicar seus pontos de vista sobre determinados assuntos envoltos de segurança pública, socioeconomia, questões geopolíticas, política nacional e até sobre socialismo e o capitalismo. Falou para mim sobre geopolíticas até da China, antes que eu me tocasse que passamos metade da sessão inteira falando apenas uma língua exterior. Com esse pensamentos, lhe perguntei variadas coisas em português e me surpreendi: ele não falava português.

Ele podia entender coisas simples como: oi, tchau, boa noite e bom dia, mas não mudava o fato de que suas frases brasileiras eram carregadas de um sotaque inglês-francês, arrastando os "r" e tendo dificuldades em pronunciar coisas simples como: fragmento, frango, atropelar, e ficamos vinte minutos para que ele conseguisse dizer "França". Espantado com o fato, estendi muito o horário, além do permitido, em uma longa conversa sobre como Angústia havia nascido e como ele se identificava. Conseguimos, então, descobrir que Angústia era fruto de um trauma recente, ocorrido em 2016.

Ana sempre tivera um bom relacionamento com seu amigo de longa data, ao qual chamaremos de Elias, até o ano em que todos os sentimentos viraram de cabeça para baixo, por conta de um abuso. Não fora algo tão intenso quanto o quê passou com o tio, mas apenas o toque foi o suficiente para Ana colocar seu vulcão mental em erupção, e logo ele explodiu. Ela sentiu todo o medo, a vergonha, a indignação outra vez, mas algo a deixava mais angustiada: o fato de Elias ter uma namorada, que era uma de suas melhores amigas. Ana guardou a angústia do abuso por longos meses, quase anos, até que compartilhou o fato com um antigo psicólogo e logo depois, com sua mãe. O caso foi resolvido, mas não para a mente de Ana que criou uma nova figura que guardaria seus sentimentos, e esta figura foi exatamente: Angústia.

Em determinado momento, senti que a conversa deveria terminar, e a identidade se mostrava defensiva e sensível, dizendo à mim que nunca se perdoaria por destruir um relacionamento ou destruir a vida de alguém tão jovem. A capacidade de guardar empatia e compaixão em Ana para com os outros sempre fora gigantesca, infelizmente, distribuindo toda essa empatia e compaixão com o mundo, nada sobrou para Ana. Ou seja, Ana tem alta capacidade e segurança para perdoar, mas nunca para perdoar-se. Ela alega: "Eu cometi tantos erros. Fiz e falei coisas que nunca vou poder apagar. Pessoas já choraram por minha causa, e eu sei o quanto é devastador chorar por alguém. Nunca quis que chorassem por mim, e hoje existem dias que eu mal consigo me olhar no espelho, pois tudo o que vejo é imundície." Angústia, no caso, carrega todos esses sentimentos em si, e mesmo sendo um fragmento sorridente e, admito, encantador, não deixa de ser fruto de um trauma e de carregar tantos pensamentos negativos.

Cerca de duas semanas depois, eu e Angústia nos encontramos novamente, e neste dia ouvi o nome de "Ira". Quando questionei para Angústia, quem seria esse "Ira", ele foi extremamente sarcástico ao dizer: "C'est mon frère" (ele é meu irmão). Chocado com a alegação, precisei de um tempo para recompor-me. Uma identidade tem um irmão? Como uma personalidade pode considerar outra como sua irmã? Voltei a perguntar por qual razão Angústia dizia que Ira era seu irmão, e a resposta não podia ser mais óbvia: "Nós fomos criados como um dependente do outro. Angústia não vive sem a ira, e ira não surge sem a angústia. Precisamos do outro para sermos criaturas vivas, Doutor." Com isso em mente, decidi então, que conversaria com Ira.

Mas como nem todas as coisas são flores, demorei até ter um contato com Ira. O fato só foi acontecer dois meses depois, e, surpreendido como sempre, esperei por um fragmento raivoso e completamente alucinado, porém, tudo o que recebi foram exatas meia hora de silêncio total. O tempo de sessão estava quase acabando, quando ele finalmente respondeu algumas de minhas perguntas feitas no começo da consulta, assim me deixando descobrir sua idade. Diferente de Angústia, Ira podia falar muito bem nossa língua, tinha uma voz baixa, e devo dizer, ameaçadora em seu geral. Sua primeira frase fora: "Você sabe que posso acabar com isso." Bom, incluindo o fato de estudos de que em um caso de TDI, uma das identidades pode sofrer com tendências suicidas, assim como em surtos psicóticos o portador pode comer crimes, eu já tinha uma ideia de que a qualquer momento me surgiria uma identidade com forte desejo de morte, mas imaginava que seria "Depressão", não Ira. Mas, como sempre, Ana ultrapassa meus limites.

Questionei à Ira o motivo pelo qual ele acabaria com tudo, e como ele se sentia em relação à Ana, ao TDI e todas as outras identidades. Não soube exatamente quanto tempo ele demorou para me responder, mas ao fazer, sua voz não era mais ameaçadora, apenas carregava muita indignação e estresse extremo. Ele começou a dizer o quanto odiava a si mesmo e aos outros, como Ana era má em tomar tantos remédios para mata-los; ele falou sobre como todos o ignoraram por anos, nunca ouvindo seu lado, nunca deixando que falasse sobre o que sentia. Ira relatou que foi excluído pela mente de Ana, e não se sentia parte dela. Me assustei com os comentários, esperando até que a identidade se acalmasse, para então explicar como o tratamento funcionava para Ana e suas doenças psíquicas. Ele foi gentil em ouvir tudo em silêncio, mas eu tive a plena certeza de que se ele estivesse com uma arma, não pensaria antes de atirar.

Nesse caso, concluímos que, diferente de Angústia e as outras identidades vistas até então, Ira tem um comportamento completamente destrutivo, ele é uma bomba relógio que precisa ser desarmada com muita cautela. Seus pensamentos não são agradáveis, ele não tem um bom olhar de todas as coisas que ocorrem ao seu redor, e é a parte de Ana que mais me preocupa. Afinal, Ira não é a favor dos remédios, das sessões, do tratamento como um todo. Por ele, tudo podia ser resolvido com um salto para o nunca mais. Cuidando de Ira como um paciente à parte, e não como um fragmento que divide uma cabeça com outros seres, especializei métodos individuais para Ira.

Ele é um jovem de dezenove anos, ansioso, com alta tendência destrutiva e com pouco ou nenhum contato com outras pessoas. Diferente de Senhor Medo ou Rebecca que até fizeram amizades com pessoas além de mim, Ira é pré-destinado a ficar apenas em silêncio no escuro da mente de Ana, resultando em um forte sentimento de solidão e exclusão, e com isso, toda a carência e vontade de ter alguém crescem, dando introdução para o desenvolvimento de uma depressão profunda e uma visão completamente distorcida do mundo e das pessoas, principalmente de mim.

Ira e Angústia ainda seguem sendo livros em leitura em nosso estudo, e enquanto não temos mais nenhuma nova informação sobre a mente dos dois irmãos, seguiremos com os próximos relatos de uma insana. Vivendo no próximo post uma experiência que saiu direto dos contos de fadas.

 
 
 

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page