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Senhor Pânico

  • Foto do escritor: Doutor Leonardo
    Doutor Leonardo
  • 17 de ago. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 19 de ago. de 2019


Quando comecei a investigar as crises de personalidade de Ana, tinha total certeza de que um dia isso poderia me render um grande livro de estudos, mas enquanto não trabalho nisso (ainda), deixe-me apresentar à vocês um grande amigo, nomeado "carinhosamente" de Senhor Pânico.

Você deve se perguntar se Senhor Medo e Senhor Pânico não seriam a mesma figura, não é mesmo? E admito que eu mesmo fiz-me esta questão antes de conhece-lo pessoalmente. No começo, com meus estudos sobre a esquizofrenia paranoide da paciente, criei conhecimentos de várias de suas alucinações, e, misteriosamente, todas começavam com o mesmo substantivo masculino: Senhor. Enquanto Ana me apresentava, com desenhos, suas visões paranoicas, achei peculiar que todas tivessem características semelhantes. Todos os 'senhores' possuem o mesmo 'físico', a mesma tonalidade, a mesma voz, e são diferentes em suas personalidades. No começo destes posts nos foi apresentado Senhor Medo, uma figura masculina que surgiu após um trauma de luto na vida de Ana. Senhor Medo é astuto, arrogante e, talvez, carismático. Senhor Pânico é seu total oposto.

Senhor Pânico, ou, como Ana gosta de chamar, Nico, me lembra muito um jovem homem de trinta anos, talvez vinte e seis. Ele age como um adolescente e um adulto, um meio termo entre os dois. Além de ser altamente simpático e engraçado. Mas nem sempre fora assim, afinal, seu nome não é Pânico por simples criatividade.

Senhor Pânico surgiu pela primeira vez ao final dos quatorze anos de Ana, logo após Rebecca. Todavia, Ana me conta que ele sempre esteve presente de alguma maneira, fosse em pesadelos ou paralisias do sono, ela sempre via a figura em algum canto do quarto ou em sonhos enquanto dormia. Ana relata que no começo, a figura não falava ou se movia, era apenas uma figura. A primeira vez que o viu fora dos sonhos ou paralisias fora durante uma crise, na escola antiga onde estudava, em plena sala de aula. Ana diz que seu medo foi tanto que chegou a perder o ar, ela precisou ser levada à emergência. Ana gosta de compartilhar que no começo de tudo, ela sentia pavor de todas as alucinações, mesmo que fossem figuras abstratas, ela ainda tinha receio. Nos dias atuais, Ana e suas "loucuras" convivem, coexistindo da melhor maneira que encontraram.

Você deve se questionar qual os motivos levaram Ana a nomear a figura de "pânico", sim? A nossa melhor explicação está no fato de que Ana criou uma figura que se assemelhasse com os momentos de crises de medo agudo. Nada de comum e leviano vem da mente de uma pré-adolescente que vê e ouve coisas e pessoas que não são reais. Porém, para que eu possa explicar o início do pânico, antes preciso explicar sobre a ansiedade.

O transtorno de pânico é caracterizado como uma doença ansiosa, ou seja, a pessoa que tem ataques de pânico apresenta crises importantes de ansiedade que muitas vezes acontecem sem motivos reais. Em geral, essas crises de ansiedade não têm um fator que a deflagra. A pessoa pode estar em um ambiente calmo, tranquilo e mesmo assim apresentar uma grave crise de pânico. Durante uma crise um indivíduo pode ter sintomas como taquicardia, dificuldade para respirar e tremores, que são os sintomas físicos. Mas também existem sintomas psíquicos, como sensação de morte eminente, uma angustia muito grande e muito medo. Neste caso, entramos em seu antecessor, a crise de ansiedade: A crise de ansiedade pode ser desencadeada por fatores genéticos ou externos. Traumas como a morte de uma pessoa querida e situações de agressão física e psicológica podem fazer com que o corpo entre frequentemente em estado de alerta. A síndrome do pânico, ou transtorno de pânico, é caracterizada pela presença recorrente de crises de ansiedade. A característica principal do transtorno são as crises esporádicas que duram alguns minutos e têm forte intensidade. É importante se atentar que uma pessoa pode ter uma crise em determinada situação e não ter um transtorno de pânico. Nesse caso, o que identifica a síndrome são as crises recorrentes.

Ana, desde a morte do pai, apresentava sintomas ansiosos, principalmente a preocupação excessiva com exatamente tudo! Ela sentia grande medo de perder outra pessoa, além do medo de perder a si mesma. Após alguns anos, Ana desencadeou as alucinações pela esquizofrenia e, como já podemos imaginar, por conta das recorrentes crises, o pânico chegou, e logo depois, sua alucinação também.

É extremamente comum que crianças que sofreram agressões e abusos desenvolvam ansiedade e pânico. A mãe de Ana conta que, aos nove anos da filha, esta não gostava de brincar com outras crianças pelo medo excessivo de se ferir ou ferir alguém, todavia o sentimento nessa idade que Ana carregava, derivava muito mais das agressões do tio do que pela perda do pai. Ana relatou que era submetida a fazer tudo o que seu agressor quisesse, sempre ouvindo a desculpa de que se não fizesse, algo terrível aconteceria com ela e com sua mãe, e até mesmo com seus animais de estimação, ao qual sempre fora muito apegada. "Eu deixava ele me bater e me tocar porque tinha medo de que o que acontecia comigo fosse acontecer com a minha mãe ou minhas primas. Eu não queria que elas sofressem também."

Diante de todos os fatores acima, Ana criou Senhor Pânico, uma figura que carregava em si todos os temores excessivos de sua mente. Hoje, Senhor Pânico ainda é um fragmento carregado de medos surreais, mas sua personalidade tende a lidar muito melhor do que a própria Ana.

Quando nos conhecemos pessoalmente, esperava algo muito mais aterrorizante e perturbador, depois de ouvir todos os relatos assombrosos sobre o passado de Ana, e conhecer Senhor Medo que me causou uma noite sem dormir, esperava que Senhor Pânico me fizesse passar noites em claro assistindo desenhos infantis para conseguir espantar o medo. Porém, tudo o que ganhei, foi um grande sorriso. Talvez, o mais sádico que já presenciei em todos os anos de psicoterapia.

"O gato comeu sua língua, Leo?" Não era exatamente a frase que eu esperava ouvir de uma personalidade chama "Pânico". Com o tempo, descobri que Pânico podia ser muito simpático e divertido, fazendo piadas com tudo e reclamando da política brasileira como um adolescente faria. O nosso nível de intimidade cresceu muito em algumas semanas, e ele nunca se referiu à mim como 'doutor' ou 'senhor', diferente de Senhor Medo e Rebecca, que tinham muita educação, Pânico apenas me tratou como se fossemos amigos de longa data. Em uma de nossas consultas, decidi perguntar à ele como se sentia em relação ao TDI e a esquizofrenia.

"Você sabe, é difícil conviver com tantos vizinhos chatos! Medo é muito certinho e Rebecca é muito barulhenta, e eu nem posso falar da Ana, ela é a pior! Sempre dizendo que eu não posso ficar surgindo inesperadamente por aí. Sem contar que os outros tentam roubar toda a atenção para eles, principalmente Histeria, aquele idiota(...) Eu me reconheço como fragmento, não sou uma pessoa real. Nem quero ser, eu não preciso vestir uma identidade que agrade o mundo sendo que eu nem faço parte dele."

Parte de mim assustou-se ao ver que Senhor Pânico era muito racional e com um senso crítico muito importante. Dediquei-me então a descobrir suas preferências e gostos, comparando sua mente com a mente de Senhor Medo, Ana e Rebecca. Achei interessante quando Senhor Pânico comentou sua preferência por músicas, alegando que Medo "era tão chato" por gostar apenas de músicas clássicas ou Rock, e que o senso musical de Rebecca era tão chato quando o de Ana, já que gostava de musicais. Senhor Pânico alegou gostar de músicas francesas e músicas medievais, chamadas de "neofolk". Ao perguntar sobre suas habilidades, me impressionei ao saber que Senhor Pânico era capaz de entender o básico do francês, além de saber tocar flauta. Ele gosta muito de artes, e é ótimo em decorar textos longos. Quando encontrei-me com Ana novamente, fiz a experiência real, dando nas mãos dela uma flauta. Ana comentou que quando criança sabia tocar algumas músicas, mas que hoje, ela mal se lembra como o instrumento funciona. Também fizemos uma prova de francês do ensino básico, e ela achou engraçado o fato pois, como ela mesma disse: "Eu nunca entendi o francês, nunca foi uma língua interessante pra mim. As únicas línguas europeias que me proponho a aprender e a falar são o inglês britânico e o italiano."

Existem no mundo centenas de casos de TDI onde as personalidades sabem outros idiomas e até mesmo sabem fazer coisas como dirigir carros, dançar ballet ou tocar violino. O caso de Ana não é diferente de nenhum deles. Suas personalidades adquirem conhecimentos de coisas que, ou a própria Ana sabia/sabe, ou outras pessoas, que inspiraram sua loucura, sabiam. Como o caso de Senhor Medo, que é capaz de tocar violão, mesmo Ana toque apenas teclado. Em resumo, a única personalidade que tem a mente unida (todas são unidas, porém distintas, mas uma delas não segue a mesma linha das outras) com a de Ana é Rebecca. Afinal de contas, Rebecca nada mais é do que Ana quando criança, desenvolvida de traumas da infância. Já questionei Ana sobre mudar o nome do fragmento para "Ana 2" ou "Ana júnior", talvez, "Aninha", mas, mesmo achando graça da situação, Ana disse que cada fragmento tem seu próprio nome e eles são como nomes de cachorro. Rebecca sempre será Rebecca, pois ela nasceu com esse nome. Senhor Pânico nunca deixará de ser Senhor Pânico, e o mais próximo que temos são apelidos, que os próprios fragmentos deram.

Apesar dos pesares, Senhor Pânico e Ana, atualmente, conseguem coexistir juntos, muito provavelmente em uma amizade. Ana diz que, mesmo que tenha brigas cansativas com a maioria de seus fragmentos, não é como se ela os odiasse. Afinal, é isso que a torna especial no ramo da psicologia.

 
 
 

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